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Uma Parte Do Todo

by Tiago Félix

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1.
Ainda 01:25
2018.02.21 (Ainda) Ainda procuro nas ruas o teu andar familiar. Como é que se faz para se ser cego? Odeio-me por ainda. Ainda. Ainda procurar parecenças em estranhos. Olhar para os pés dos outros até encontrar umas sapatilhas iguais às tuas e depois subir e confirmar outra cara. Ainda. Já não era suposto. Já faz demasiado tempo. Dizem-me que é demasiado tempo. Perdi um ano inteiro nestes olhos. Ainda. Ainda te procuro nas ruas onde andámos. Ruas onde ando. Onde andas. Somos vizinhos. Ainda. A saudade sabe-o. Ainda escrevo sobre. Ainda. Tudo ainda é ainda. Saio de casa. Lembro-me. Volto a casa. Lembro-me. Como é que se faz para se ser turista onde se morre? Esta memória será permanente. Todos o sabemos. Ainda penso todos os dias. Ainda. Ainda. As ruas ainda são estas ruas. Lembro-me das escadas. Do movimento. Onde andas? Ainda. Eu ainda. Ainda. Ainda ando aqui.
2.
Confusão 01:50
2018.04.05 (Confusão) A tua forma e a do poema confundem-se. Tudo ficou igual. Tudo ficou, parece-me, exageradamente o mesmo. E a minha cabeça tornou-se um personagem meu, ou eu tornei-me um personagem da minha cabeça. Nada mais parece ficar quando se cansa toda a filosofia. O tempo passou primeiro que eu e tudo permanece igual lá fora. Só morrendo definitivamente. Só indo para um mar a sério, um mar de verdade com ondas e espuma e facas. Ainda assim não sei se seria suficiente. Porque encontro sempre a tua forma na forma geral das coisas, e tu surges em mim como surges em objetos inanimados. Tudo se confunde. Tudo é o mesmo. Já só gosto de coisas onde te possa encontrar. Já vou – acho eu – para te ver. Agora precisava de aprender palavras novas, palavras de ternura. Recuperar o vocabulário que desse alento a este sono e ao meu cansaço. Precisava de uma língua nova que fosse capaz de abrir uma língua morta. Que me alargasse as letras, os adjetivos, a boca noir, rouge. Não sei que frase me trará o teu nome de volta. Às vezes tenho muito medo de me ter tornado irremediavelmente triste. Porque um coração só acredita na sua geometria mesmo que seja a geometria da explosão. O coração é um animal invencível: perde até que só possa ganhar. Um coração não pode resolver as coisas a bem. Não pode.
3.
Pássaros 00:34
2018.09.04 (Pássaros) Trago os meus poemas todos demasiado cansados. É verão mas parece outono, as nuvens estão baixas e o mar ao fundo não faz barulho que assuste. Todas as distâncias parecem ter mudado: os metros milímetros os oceanos lagos o amarelo roxo. Mesmo os pássaros parecem ter desistido. Parados na relva parecem esperar que a estação mude por si.
4.
Contenção 01:37
2020.10.21 (Contenção) Eu procuro acalmar o calor dos órgãos, o jogo de órgão para órgão, o sangue negro que os alimenta. É difícil ver tudo isto e continuar vivo. Há demasiadas coisas, demasiados sons. Como manteremos nós os escrúpulos, os órgãos nos seus lugares e funções sabendo tudo isto? Nós nada podemos face a esta poluição. Não há nenhuma saída que não nos custe o silêncio, nenhum lugar onde as palavras sejam mais prováveis. Ninguém mais do que eu pode ser assim tão ingrato com o tempo. Não posso fazer conta com nada do que vejo. Não existem linhas retas na natureza, de nada se pode elogiar a coerência, sequer a forma. Tudo se divide ao meio em mais escuro, é assim com tudo, a primeira coisa que te vier à cabeça. Em caso de necessidade até os nomes desaparecem. Com o que resta desta força teremos de conter o frio, amortecer as dores de um lado e do outro e concentrar tudo no centro, órgãos apertados contra órgãos, ossos comprimidos, toda a força na cabeça concentrada em pleno eixo. Isto é o que mais se assemelha a um plano sustentável: conter os custos, reduzir os movimentos ao mínimo. A riqueza que há é este nada mais, nem um pouco. Isto até pode ser suficiente se não desperdiçarmos nada.
5.
Fade Out 01:04
2018.10.08 (Fade Out) Acabamos por voltar sem dar conta a este lugar específico e o corpo afinal resistiu. Muito pouca coisa mudou afinal, só estou agora um pouco mais longe de mim. Mas o tempo vai-se enchendo com outras coisas e vamo-nos habituando. O corpo aguenta tudo. Resiste a tudo. Temos uma força estranha. Invencível. Uma força cansada. Eu sou este corpo frágil que dança de medo este corpo cheio de tristeza e força esta força puramente frágil. E volto sem dar conta a este lugar específico com muito menos trunfos na manga, sem ingenuidade nem coragem, sem um plano. A caneta está leve a folha levanta com o vento e eu distraio-me facilmente com as conversas do lado. O poema lentamente dissipa-se num fade out de nada.

about

“Uma Parte Do Todo” são 5 dos 50 poemas do meu primeiro livro “As Mãos Enquanto Esperamos”.
Esta gravação funciona para mim como uma despedida de algo em que fui trabalhando diariamente ao longo dos últimos anos. Para outros, porventura, será o primeiro contacto que têm com o livro.
Da minha parte, é altura de os deixar de saber de cor.

Para quem quiser o todo desta parte, podem comprar o livro no link da bio.

credits

released April 15, 2022

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Tiago Félix Alcobaça, Portugal

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